quarta-feira, 6 de abril de 2011

O dono de Bagan

Viagem a Myanmar - parte 3


Mingala-bá! Bom dia! Meu nome é Aung Win e sou seu guia aqui em Bagan.
Foi bom encontrá-lo logo no desembarque do aeroporto. Com firmeza, Win detém minha mão quando vou procurar o dinheiro para pagar a taxa que o governo cobra dos turistas na chegada àquela cidade, uma das mais fascinantes atrações de Myanmar, no sudeste asiático.
- Já está tudo pago - me assegura.
A atitude do guia era respeitosa e transmitia segurança. Era o próprio dono do pedaço.
Empertigado, impecavelmente vestido com o longyi, traje tradicional de Myanmar  (espécie de sarongue até o tornozelo, amarrado com um nó na cintura), o ex-professor de ensino básico me deu a impressão de que estava pronto não somente para apresentar as riquezas culturais da região, como também determinado a me ensinar o idioma nacional naqueles próximos três dias.
- "Aung" quer dizer "brilhante" e "Win" quer dizer "luz". Meu nome significa "luz brilhante"! 
- Você nasceu aqui mesmo? – perguntei , só para matar o tempo, enquanto esperávamos a chegada das malas na esteira do aeroporto.
Em vez de um simples “sim” ou “não”, o que ouvi foi um verdadeiro discurso cívico:

- Nasci e fui criado em Bagan, que para mim é o lugar mais lindo do mundo. Segundo a Unesco, a região faz parte do patrimônio cultural da humanidade.  Não há nada igual no planeta. Amo tanto isto aqui que jamais aceitaria viver em outro lugar. Posso ser um homem pobre em termos de bens materiais, mas interiormente me sinto muito rico por viver aqui.

OK, Win, você venceu!  Nem vou questionar a validade daquele discurso apaixonado, mesmo sabendo que Win jamais colocou os pés  fora do seu país natal. Daqui para a frente, entrego-me feliz da vida aos cuidados profissionais deste homem que para mim é, de fato e de direito, o verdadeiro dono de Bagan. Estou convicta de que jamais conseguiria encontrar um guia melhor na região.

Realmente, percorrer os templos, pagodes e estupas de Bagan sob a orientação de Win foi uma viagem dentro da viagem. Ele conhece cada recanto, cada árvore, cada construção erigida naquela imensa planície que foi o quintal de sua casa, o lugar de tantas brincadeiras de menino.
- Meu irmão e eu percorríamos todos os dias esta área para juntar galhos secos e levar para a nossa mãe acender o fogão e preparar a comida. Conheço cada um desses templos por dentro e por fora, sem exceção.


As lembranças se avolumavam em cada lugar que visitávamos.




- Essa árvore foi plantada por mim e meus colegas de turma quando éramos bem pequenos - disse ele, apontando para a acácia frondosa na frente do nosso hotel. - Bem aqui ficava a nossa escola, que foi demolida. 


Com voz contida, acrescenta:
- Demoliram tudo por aqui...




Ele diz pouco, mas sei que se refere ao dramático fato ocorrido em 1990, quando o governo obrigou centenas de habitantes locais a abandonar suas casas na zona arqueológica para se instalar numa área desabitada a cinco quilômetros ao sul, hoje um povoado chamado Nova Bagan. 


Famílias inteiras, cujos antepassados haviam nascido e se criado naquelas terras, não tiveram outra escolha senão empacotar seus pertences e mudar-se. Elas receberam do governo a posse de novos terrenos, materiais de construção, algum dinheiro e o prazo de apenas uma semana para deixarem suas casas. A família de Win foi uma delas.






- Por vários meses tivemos que viver como refugiados, em cabanas improvisadas, enquanto construíamos nossas casas - conta Win.
Mas logo muda o tom da conversa e prossegue com recordações mais felizes:
- A gente brincava de esconde-esconde aqui dentro deste templo – relembra, enquanto percorremos os corredores do majestoso Ananda Paya , que para ele é o mais belo de todos os templos. 


– Está vendo esta porta? Está pregada no chão.
Olho para aquela peça monumental de madeira maciça trançada:  sólida, bela.  Win prossegue:

- Quando eu era pequeno,  esta porta ficava solta. A gente podia abri-la e fechá-la à vontade, como qualquer porta normal. Meus irmãos e eu adorávamos nos pendurar nela e ficar nos balançando para a frente e para trás... Ninguém brigava com a gente por causa disso,  era como se estivéssemos em nossa própria casa.

Os olhos dele brilham com a lembrança. Quando lhe peço que mostre como era a brincadeira,  Win não se faz de rogado:  de um salto, sobe com os pés descalços no seu “balanço” monumental e sorri satisfeito, com jeito de menino que acaba de fazer uma travessura.  


A porta permanece imóvel, acorrentada ao chão do velho templo, mas a imaginação daquele homem maduro corre solta, entre as ruínas centenárias de Bagan.










 








4 comentários:

anamar disse...

Monica,
imagino o seu sorriso ao correr das palavras em tão prazeirosa descrição...
Beijo amigo
Ana

Anônimo disse...

As fotos estão maravilhosas, Monica! Que lugares lindos. Dá pra entender que o Win não precise da referências de outros lugares para estar convencido de que o lugar em que ele está é o melhor...
Beijos

Unknown disse...

Depois da triste notícia. Fiquei aqui esperando seu post sobre esse lugar que você tanto gosta e faz a gente amar também.

Unknown disse...

Beijos Katia