segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cabelos vermelhos

Que susto estranho levei agora há pouco, com a notícia da morte da artista francesa Jeanne-Claude, a extravagante parceira de vida e de estripulias artísticas por esse mundo afora de outro artista não menos extravagante, o búlgaro Christo. O casal não usava sobrenome e assinava suas obras de arte a dois, assim mesmo, só com seus primeiros nomes: Christo e Jeanne-Claude. Curiosamente os dois nasceram exatamente no mesmo dia, mês e ano, como que predestinados um para o outro: 13 de junho de 1935. Eles ficaram famosos por suas instalações monumentais - todas adoravelmente estapafúrdias - em locais públicos, inesperados. O "empacotamento" do prédio do Parlamento alemão em Berlim, do Pont Neuf de Paris e a "envoltura" de algumas ilhas da Flórida são alguns exemplos da arte deste casal, que ainda hoje provoca tantas controvérsias.  


Minha surpresa com a notícia da morte de Jeanne-Claude vem junto com uma sensação esquisita de perda atrasada, porque ela ocorreu há mais de seis meses, no dia 18 novembro do ano passado... Meu Deus, como pode ela ter desaparecido do meu mapa, sem eu perceber? (Só fiquei sabendo da notícia triste quando li há poucos minutos o blog de Marcio Fonseca, dedicado à divulgação de artes plásticas - ando meio desatualizada, certamente!) 


Mas quando penso na figura ousada e marcante, por quem tive a sorte de passar perto algumas vezes no Central Park e no Metropolitan Museum de Nova York, durante o período da instalação do The Gates em fevereiro de 2005, me dá vontade de rir. Na época eu morava a poucas quadras dali e pude acompanhar com um entusiasmo quase infantil todas as etapas daquela instalação ao longo de inúmeras semanas que me pareceram intermináveis. Sob qualquer pretexto, eu arrumava um jeitinho de passar pelo meio do parque e dar uma espiada no progresso das obras, desde as primeiras marcas de giz no asfalto, indicando onde cada poste seria cuidadosamente fixado (sem necessidade de perfurar o solo, para não deixar qualquer marca no meio ambiente quando a instalação terminasse), até o oba-oba do tão esperado dia da inauguração oficial, com o desamarrar de cada "gate" cor de laranja, num belo contraste com as cores do inverno novaiorquino. Esta foi com certeza a instalação artística mais ousada e empolgante que eu tive a chance de ver. 


Tão fascinante quanto os próprios "gates" era observar os rostos das pessoas que circulavam por baixo daquelas estruturas: quanta alegria... quantos sorrisos contagiantes, de todas as idades, etnias, procedências, níveis culturais! A gente caminhava (ou será que dançava?) por baixo daquelas estruturas metálicas e "bandeiras" ao vento com o coração leve como o das crianças. A sensação era de que a gente estava flutuando dentro de um sonho. Absolutamente surreal.


Depois de inaugurada, a instalação permaneceu mais duas semanas no Central Park, alegrando todo o mundo que por ali passava, a qualquer hora do dia ou da noite. A cada momento aqueles imensos estandartes cor de laranja assumiam uma personalidade diferente, de acordo com as condições do tempo: alegres quando coloridos pelo sol, ensimesmados quando molhados de chuva, leves como a neve que caía, melancólicos como a neve derretida, novamente alegres em contraste com o azul vibrante do céu...


É impossível pensar nos "gates" sem me lembrar dos cabelos vermelhos da Jeanne-Claude, tão divertidos e esvoaçantes quanto. Desconfio mesmo que ela se foi deste mundo colhida de surpresa por um pé de vento, num voo mágico em direção ao céu. Imagino-a voando e rindo às gargalhadas com aqueles cabelos vermelhos ao vento, encantada com aquela que deve ter sido a mais magnífica de todas as suas instalações.

2 comentários:

ana maria cotrim disse...

Muito interessante ! Já havia lido alguma coisa sobre o Christo, mas não sabia da dupla dinâmica. Foi uma pena a morte dela que deveria compor com ele a harmonia do ying yang.
Obrigada por compartilhar a experiência e as imagens da grandiosa instalação. Me deu a impressão de que houve uma certa influência asiática, no que tange à cor laranja viva e aos painéis tremulando, semelhantes àquelas bandeirolas com orações que os povos da região prendem enfileiradas e soltas ao vento em direção aos deuses no Himalaya.

Monipin disse...

É verdade, Ana. Realmente o ambiente lembrava os templos asiáticos, com suas bandeiras tremulando ao vento. Tudo ali convidava à reflexão: a beleza, o frio, os espaços abertos, os sorrisos das pessoas. Foi bom relembrar agora aqueles momentos tão marcantes que, de uma hora para a outra, desapareceram sem deixar qualquer vestígio visível no parque.