sábado, 24 de novembro de 2012

Tijolo a tijolo



Hoje foi um dia marcante em minha vida. Daqueles que fazem a gente mexer e remexer nas gavetas da memória afetiva, sem saber direito o que estamos procurando. Pois hoje foi um dia assim, denso de lembranças. É que acabamos de vender nosso pequeno apartamento à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro - o primeiro da nossa vida de casados, para onde nos mudamos em 1970, com o coração apaixonado e a cabeça repleta de planos para o futuro.

Sinto-me confusa com a assinatura desse papel. Estou ao mesmo tempo angustiada e feliz. É como se eu estivesse num daqueles filmes surreais do Woody Allen, em que alguém da platéia de repente pula para dentro da tela do cinema e passa a fazer parte da trama.  Vejo-me como outra pessoa, assistindo a um filme estrelado por mim mesma. Percebo que minha vida prossegue veloz, só que agora no sentido inverso do tempo. Olho para trás e vejo que meu futuro se confunde com a história do meu passado.

Onde era mesmo que eu estava há poucos minutos atrás?

Ah, sim...  Eu estava ali na sala da casa dos meus pais, cabisbaixa, com o coração aos pulos. Éramos tão jovens, meu futuro marido e eu, que meu pai disse "não" ao primeiro pedido de casamento. Apesar da dura resposta negativa, teve ao menos a gentileza de oferecer alguma esperança ao pretendente: para consentir com o nosso casamento, ele exigia que o noivo tivesse um lugar onde morar. Bem, se esta era a condição essencial para a gente se casar, aquele jovem recém-saído da adolescência iria dar um jeito de resolver a questão rapidinho!

De fato, em pouco tempo ele fechou a compra de um pequeno apartamento ainda na planta, financiado a perder de vista pelo Banco Nacional de Habitação.

Naquela época, a Lagoa pouco tinha a ver com o bairro absurdamente valorizado de hoje. Era um recanto sonolento da cidade, composto quase que exclusivamente de casas, com uma grande favela na orla. O túnel Rebouças acabava de ser inaugurado, ligando a Zona Norte à Zona Sul, com um fluxo suave de trânsito. Transporte público, além de precário, era uma verdadeira raridade no bairro. Para os moradores da beira da Lagoa, o que mais incomodava eram os episódios de mortandade de peixes, que periodicamente empesteavam a região.

A compra do apartamento foi um verdadeiro ato de coragem daquele jovem apaixonado. Ele ainda era estudante de engenharia e ganhava dinheiro dando aulas nos então chamados cursinhos de pré-vestibular. Como ainda era menor de idade, só pôde assinar o compromisso de compra do imóvel depois de obter sua emancipação.

Dali para a frente, acompanhamos atentamente cada etapa da construção do edifício, desde o bate-estaca das fundações, tijolo a tijolo, até a entrega das chaves. Após a festa do casório,  finalmente nos mudamos para o apartamento. Com o passar do tempo, a vida nos carregou para outras cidades, outros países. Entre muitas mudanças, nascimento de filhos, idas e vindas, o apartamento parecia estar sempre esperando pacientemente pelo nosso retorno, mesmo quando ocupado por outras pessoas.

Mas a vida nada mais é que uma interminável sequência de mudanças. Com leveza no coração, desejamos que os novos proprietários sejam muito felizes neste cantinho que já não nos pertence, mas que encerra tantas histórias das nossas vidas.

Quanto a nós, em breve iremos nos mudar para outro apartamento logo ali, no andar de cima. Vamos começar a escrever um novo capítulo da nossa longa história, no mesmo prédio que ajudamos a construir enquanto sonhávamos com nosso futuro.




10 comentários:

Betty disse...

Como sempre comovovente!

disse...

Monica, estou emocionadissima. Fiquei imaginando o que escreveria se vendesse o nosso apto da rua dos Oitis. Um abracao para voces.

Anônimo disse...

Monica, noto que quando termino suas crônicas, estou sempre sorrindo... Adorei!
beijo,
Sayuri

Anônimo disse...

Oi, Monica!
Muito legal a história de vocês com esse apartamento! Ele testemunhou todas as mudanças ao longo da vida e ficou ali "esperando" vocês voltarem. E pensar que tudo começou com a "resposta negativa" do seu pai... Como diz Gil, o eterno deus Mu dança... Beijos e felicidades no novo apê!!
Sandra Felicidade

Anônimo disse...

Monica querida, obrigada por compartilhar momentos tão especiais de sua vida. O texto está primoroso, com doses corretas de realismo e romantismo. Muito boa a reflexão sobre o passado,o presente e a projeção de um futuro que com certeza será de continuadas alegrias. Já fico imaginando um quartinho-surpresa para enfeitar os sonhos e enriquecer as brincadeiras da netinha. "Tijolo a tijolo" você conquistou e conquistará sempre o coração daqueles que ama. Suas palavras transbordam a mais pura emoção e, sem dúvida, este é mais um momento especial, dentre tantos outros. Gostei das fotos ilustrativas e ao descrever o Rio daqueles anos dourados, você me levou numa viagem no tempo. Sem contar o fato de que estive presente no festivo dia do seu casamento. Felicidades p'ra você e Roberto no novo lar. Beijos
-Ana Maria Cotrim

Anônimo disse...

Oi Monica,
Confesso que me assustei pensando que vocês iam embora do Rio.
Como Ana, também me lembrei da festa de casamento na casa da Lagoa próxima ao Humaitá.
Acho que a Lagoa tem dado sorte.
Felicidades nos próximos anos e andar.
Beijos, Sergio e Simone

Andrea Queen disse...


Amiga querida, como a vida passa depressa! Fiz parte desse encontro de vocês dois e depois fomos nos encontrar de novo em 2007, quase vizinhas, em Nova York. Não perdemos o fio da meada...
Espero continuar fazendo parte dessa nossa aventura pela vida!
beijo grande para esses amigos de sempre!
Andrea

Anônimo disse...

Monipin querida,
Quanta emoção e quanta sensibilidade ao compartilhar suas histórias!
Esperamos estar muito presentes no Lagoa com vista, parte II. Muitos happy hours, para curtir a vista, ou simplesmente fazendo dele um point para as nossas idas ao 'baixo bebê".
Parabéns aos felizes proprietários e que venham muitas e muitas alegrias!
Beijos, Virginia

Paulo Ricardo e Ana disse...

Adoramos, Mônica. Curtimos muito este retrospecto, sobre as transformações que o Bairro da Lagoa sofreu, o início da vida de vocês e hoje o início de uma outra história com a chegada da neta. Sua neta, a nova história; por tudo quanto ela nos inspira e e nos envolve, vocês terão outros tantos motivos para continuarem curtindo a vida no novo apartamento. Pra nós, outros tantos motivos para surfar na onda de felicidades que vocês vão formar.Torcemos por vocês. Bjs
Paulo e Ana

Angela Lemos disse...

Que coisa gostosa de ler, amiga... Foi muito bom te reencontrar...
Beijo grande!
Angela Lemos