sábado, 2 de novembro de 2013

Com alegria é melhor


Sempre que vou a São Paulo alguma coisa acontece no meu coração. Fico ansiosa por ver alguma nova exposição de arte, conhecer um restaurante diferente, rever amigos.  Sabendo disso, uma amiga de longa data me propôs um encontro num café charmoso e ainda pouco conhecido dos paulistanos, dentro da Biblioteca Brasiliana, no campus da Universidade de São Paulo. Inaugurada em março passado, a biblioteca abriga a maior e mais importante coleção particular de livros do país - a do empresário José Mindlin, com 40 mil volumes, dentre eles alguns livros raros de valor inestimável.  "Você vai adorar aquilo lá", garantiu-me a amiga.

Conforme o combinado,  às 7h45 da manhã em ponto lá estava eu sob o imponente vão arquitetônico da nova biblioteca. Sabia que aquela era a única brecha de horário possível na agenda atribulada da minha amiga, por isso fiz questão de não me atrasar nenhum minuto.

Àquela hora da manhã, o local estava praticamente deserto. Olhei para os lados, procurando minha amiga que certamente não tardaria a chegar, para tomarmos juntas o café da manhã. Logo estaríamos conversando felizes com o reencontro, rindo muito das nossas histórias de vida, sempre compartilhadas com afeto e bom humor.

Como não havia ninguém à vista, entrei rapidamente na biblioteca só para perguntar onde ficava o café e fui prontamente atendida por três recepcionistas amáveis e bem treinados.

- Café? Não, sinto muito, a senhora está enganada. Aqui é a Biblioteca Brasiliana.
- Eu sei, mas a biblioteca não tem um lugar onde se pode tomar um café?
- Não, por enquanto só existe um projeto para a construção de um refeitório, mas ainda nem tem data para ser inaugurado.

Percebendo a expressão de incredulidade no meu rosto, um rapaz da recepção ainda me forneceu uma pequena informação extra, tão amável quanto inútil, apontando na direção oposta:

- Vai ser ali do outro lado do prédio, ó...

Olhei desanimada para aquela imensa distância que nos separava da área indicada, completamente deserta. Por não saber bem o que fazer, resolvi caminhar até lá só para conferir. Sob aquele outro imenso, belo e desocupado vão arquitetônico, uma faxineira confirmou a informação que me havia sido dada pelo recepcionista: sim, dizem que o café será construído ali no segundo andar, mas ninguém ainda sabe quando.

Eu me senti a própria carioca despistada, presa na rede da megalópole paulistana. Meio constrangida, busquei um cantinho discreto para telefonar para a minha amiga, longe dos olhares penalizados dos funcionários locais. Quando ela atendeu, fui logo perguntando, de olho no relógio e no pouco tempo de que dispúnhamos para o nosso café da manhã:

- Você teria algum plano B para o local do nosso encontro? É que já cheguei aqui na Usp e me disseram que aquele café que você queria me mostrar ainda nem foi construído!
- O quê? Nossa! Mas o que é que você está fazendo aí na Usp agora?
- Como assim? Nós não marcamos um café da manhã aqui?
- Sim, marcamos. O lugar era esse, mas o dia do encontro não era hoje e, sim, AMANHÃ!

Perplexa, tento entender o absurdo daquele momento: minha amiga havia marcado nosso encontro num local inexistente, para o qual eu tinha ido em data trocada!

Nós duas rimos daquela situação surreal e, teimosas que somos, remarcamos nosso encontro para o dia seguinte, em local menos charmoso, mas pelo menos com existência garantida.

Para ser sincera, confesso que não estava achando muita graça naquilo tudo, não. Afinal de contas, tinha acordado mais cedo do que precisava e percorrido meia cidade de táxi... para fazer nada. Emburrada, saí do edifício da biblioteca e fui direto ao ponto de táxi que havia ali perto para regressar pelo mesmo trajeto que havia feito minutos antes. Sentia-me como uma intrusa na urbes, frustrada por não ter conseguido realizar o que havia planejado e, ainda por cima, sem ter tomado meu café da manhã. Estava com fome e irritada. Droga de dia!

Já sentada no banco do táxi, resolvi dar uma rápida olhada final naquele belo e moderno edifício do campus universitário. Foi então que aconteceu um fato mágico que mudou completamente meu estado de espírito naquele dia. Nas janelas do andar térreo do prédio da biblioteca, pude ler, em letras garrafais, uma mensagem que parecia gritar só para mim:

"Não faço nada sem alegria" 

Quem teria escrito aquilo ali? Achei graça na frase inesperada. Olhei para o céu e vi que o sol estava querendo sair entre as nuvens. Naquele momento, decidi que, mesmo que nada do que tivesse planejado desse certo, eu teria mais um dia alegre e feliz em São Paulo.



PS: Depois de uma rápida pesquisa pela Internet, descobri que aquela mensagem "mágica" nas janelas da Biblioteca Brasiliana da Usp na verdade se referia à exposição "Não faço nada sem alegria - a biblioteca indisciplinada de Guita e José Mindlin" - mostra permanente de 110 livros escolhidos da coleção do casal Mindlin. Agora preciso voltar lá para ver a exposição!

3 comentários:

Sergio disse...

Bom dia prima,
Muito bom conselho, vou tentar.
Quando dá para racionalizar, sigo outros dois:
"Se acha que pode resolver um problema, tente, senão, retire da cabeça".
"Se o momento for de felicidade, prolongue o máximo que puder".

Anônimo disse...

Querida Monipin

Seus textos - sempre interessantes - têm muito sentimento: são agradáveis de ler.
MUITO OBRIGADA de compartilhar: enorme abraço carinhoso!!!

Teruko

Lúcia Leão disse...

Monica,que alegria passar da frustração para a leveza, viajando até São Paulo no seu texto. Adoro o seu estilo, sinto sempre um olhar meio estrangeiro, não necessariamente de quem não é do lugar onde está, mas de quem repara o mundo com a suspeita de que há algo que ainda não se viu, não se entendeu ou sentiu. Uma delícia. Bjs.