sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Saudades da minha Nova York (1)

A poucos dias de viajar do Brasil para o Canadá, com passadas por Nova York na ida e na volta, faço uma parada para pensar no que mais gostaria de fazer por lá - além, é claro, de ver minha filha que mora em Toronto, motivo principal dessa viagem.

Nova York há muito deixou de ser para mim uma cidade "turística". Não gosto nem desgosto da cidade. Conheço bem suas virtudes e defeitos, o glamour de suas festas e a dureza do cotidiano. Se tenho a oportunidade de voltar lá, vou com gosto. Caso contrário, não vou e pronto. Minha Nova York mora dentro de mim e a visito com frequência no meu mundo imaginário, sem grandes cerimônias, como quem vai à casa de um velho e querido amigo.

Da mesma forma que qualquer morador "normal" da ilha (percentual altamente duvidoso, temo), fujo da região do Times Square como o diabo da cruz. Pegar um barco cheio de turistas até a Estátua da Liberdade... subir de elevador no Empire State Building... Ui, tô fora! Passear de charrete pelo Central Park, então... oh my God, horror dos horrores! Vai que um conhecido meu resolve cruzar o parque justo naquela hora e me reconhece ali dentro da charrete... Não pago esse mico de jeito nenhum!

O que mais me emociona em Nova York são fragmentos do mosaico da cidade - recantos, rostos, cheiros, sons - que me trazem lembranças da minha experiência pessoal na Grande Maçã, onde vivi por sete anos. São lembranças de todos os tipos - engraçadas, assustadoras, enriquecedoras, alegres, chocantes, tristes, estimulantes.

Recuo nove anos na memória e penso na deslumbrante manhã de sol do dia 11 de setembro de 2001, quando eu caminhava despreocupada em direção à minha academia de ginástica na rua 85 do lado leste de Manhattan, os olhos fixos no céu. Estava maravilhada com a beleza daquele azul intenso, sem nuvens, com um tipo de luminosidade que só se vê no outono. De repente, a notícia do ataque ao World Trade Center escureceu tudo. Lembro dos olhares incrédulos à minha volta e da imobilidade geral. Registros da tragédia reaparecem na minha mente como num filme em câmera lenta. O mais estranho de tudo foi o silêncio que se abateu sobre a cidade, ao norte do Financial Center. Ninguém gritava, ninguém chorava. O silêncio tomou conta das ruas.

De uma hora para a outra, todos os túneis e pontes de acesso a Manhattan foram interditados. Ninguém mais entrava nem saía da ilha. O metrô parou. Os aviões deixaram de sobrevoar nossas cabeças. Os ônibus e automóveis deixaram de circular. Não havia para onde fugir. Filas intermináveis de homens e mulheres, muitos cobertos de uma espessa poeira branca da cabeça aos pés, com expressão de enorme cansaço, se deslocavam em silêncio em direção ao norte da ilha - isto é, para longe do inferno. A maioria morava fora de Manhattan e não tinha para onde ir. As linhas telefônicas emudeceram. Os celulares deixaram de funcionar por excesso de tráfego. Os serviços da Internet foram interrompidos. Só consegui me comunicar com o Brasil para tranquilizar  minha família  e meus amigos dois dias depois da tragédia. Apenas a televisão nos ligava uns aos outros. E todos os canais transmitiam as mesmas imagens e notícias daquele acontecimento terrível, até então inimaginável.

Foi através do noticiário de TV que fiquei sabendo, estarrecida,  que os estoques de botes infláveis haviam se esgotado rapidamente em Nova York. Como assim? Estão todos comprando botes infláveis agora? Eu nunca havia percebido com tanta lucidez o sentido terrível da palavra "ilhado".

Hoje todos sabemos que os ataques se limitaram ao dia 11 de setembro. Mas para nós, prisioneiros da ilha, ainda viveríamos muitos dias mais na expectativa angustiante de novos ataques. Mais investidas aéreas, guerrilhas químicas, hecatombe nuclear, envenenamento do abastecimento de água da cidade, bomba no metrô, descarrilamento de trens... Nada disso nos parecia impossível depois daquele 11 de setembro. Na nossa imaginação de ilhéus confinados, não havia limites para novas catástrofes em Nova York.

Finalmente, passadas algumas semanas, os túneis e pontes de acesso a Manhattan começaram a ser reabertos aos poucos, sob forte esquema de segurança.  Mas caminhar pelas ruas de Nova York nunca mais voltou a ser o que era antes daquele dia trágico.

Poucos dias depois recebemos o telefonema de nossos dois filhos, Flavio e Isabel, que então moravam e estudavam na cidade de Boston. Eles queriam nos contar que tinham comprado passagens de trem para passar o fim de semana conosco em Nova York. Nossa primeira reação foi - oba!- de uma imensa alegria. Mas logo depois a alegria cedeu lugar à enorme preocupação com a segurança deles. Só que aqueles dois lindos jovens adultos nem ligaram para nossos medos - talvez pela leveza própria da idade, talvez pelo amor solidário que tanto nos une em momentos difíceis como aqueles que estávamos vivendo.

Nossos filhos chegaram sãos e salvos e nos proporcionaram um dos fins de semana mais maravilhosos que tivemos em todos aqueles sete anos vividos na glamorosa Nova York - dentro do nosso pequeno apartamento, jogando conversa fora, saboreando comidinha caseira, curtindo momentos preciosos de paz familiar.

Agora, enquanto relembro com saudade e doçura aqueles momentos vividos com nossos filhos, surge uma dúvida. Não sei se consegui transmitir a eles como me senti grata e orgulhosa por terem vindo nos ver naquele fim de semana - para mim, uma emocionante demonstração de amor e coragem.

Preciso dizer isso aos dois.

6 comentários:

Inês disse...

NY é NY, única, apaixonante...
Lembro muito desse dia 11. Estava trabalhando e vi na TV as imagens...Parecia filme... Ninguém, na Empresa entendia nada... até que conseguimos entender ,que era real! Chocante. Essa lembrança jamais será apagada.
Mas, estamos em 2010,curta a Big Apple,essa cidade maravilhosa, que eu, como sempre, turista, amo de paixão. Que bom, que eu não conheço o lado ruim.
bjs,
Inês

Florence disse...

Very profound testimonial! I always enjoy your writing, simple and poetic, like an extended haiku... (oxymoron?)
One of my best memories in NY was when we paid you a visit and you gave us a free tour of the Metropolitan Museum during a holiday, while it was officially closed. What a treat! Since then I have been bragging to my friends over entering the Met through the back door and receiving a VIP tour while it was closed to the public... :)
This summer, Allison did a two-months internship at MTV (VIACOM building next to Paramount) and I visited her for 10 days. (I thought so much of you, we were staying at some friends' on 94th between 2nd & 3rd...) Believe me, Times Square is OK when you see it from the 49th floor... Seeing the New Year's Eve ball from above might make me more tolerant of the US New Year celebrations from now on...
As far as September 11, it is just impossible to be in NY, even for a few hours, without thinking about it, and trying to imagine what you guys lived through. And you HAVE to be there to get a sense of it. It has remained in the energy of the city, you just feel it in the air.
Boa Viagem, querida amiga!

Patrícia Portella disse...

Oi Mônica, adorei...!
Qdo vc voltar, escreva o complemento desse post, revelando tudo o q vc sentiu ao desembarcar e reencontrar Nova York. Incrível como vc transmite tudo o q vc está sentindo qdo escreve, sabia?!
Bj grande, aproveite muito!
Patrícia

Unknown disse...

Goede rijs

Monipin disse...

Bedankt, Mario!

Betty disse...

Você consegui passar tudo para êles com toda certeza. E porissome orgulho muito de ter você como amiga e isso desde os 8 anos de idade, até antes. Que vocês dois continuem esse exemplo de união amor, força, simplicidade, alegria contagiantes e que só pode nos fazer bem. Um beijo enorme e até a volta. Betty