segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Entre raios e trovões - Saudades da minha Nova York (3)

Saí às pressas do meu apartamento no Upper East Side para chegar a tempo à minha aula de Nia - uma espécie divertida de dança, mistura do vigor da arte marcial com o ballet descalço da Isadora Duncan. De minha casa até a academia havia dez longos quarteirões a percorrer a pé, um trajeto que me em geral me tomava quinze minutos e me deixava pronta para começar a dança com os músculos já convenientemente aquecidos. Na pressa para não chegar atrasada, acabei me esquecendo de consultar a previsão do tempo na Internet e saí à rua despreocupada, naquela manhã de verão novaiorquino, cheia de sol.

A aula, como sempre, me encheu de energia boa. Terminada a dança, tomei uma chuveirada rápida, me arrumei de qualquer maneira e desci os degraus de dois em dois até a porta, para ganhar a rua e cuidar logo da vida, que o dia era curto. Quando cheguei à calçada, imediatamente senti no ar uma coisa estranha. Soprava um vento morno, daqueles que levantam a poeira do chão em redemoinho. Olhei para cima:  nuvens pesadas, cor de grafite, passavam ameaçadoras sobre minha cabeça.

Naquele período de pouco mais de uma hora, o tempo havia mudado por completo. O céu estava para desabar. Ai, meu Deus, eu não tinha levado meu guardachuva... e ainda me faltavam dez quarteirões pela frente, até chegar em casa! O jeito era apressar o passo e torcer para que o temporal não começasse logo.

Eu não havia percorrido sequer dois quarteirões, quando o que eu mais temia aconteceu. Uma tempestade violenta, digna de verões cariocas, se abateu de repente sobre a ilha de Manhattan, sem dó nem piedade. A Second Avenue estava completamente deserta: nenhuma pessoa normal se arriscaria a sair à rua com um tempo daqueles. As marquises da avenida eram, além de poucas, estreitas demais para oferecer qualquer abrigo relevante a um pedestre tão desprevenido como eu.

Entre raios e trovões, pensei comigo mesma: "Não adianta fugir. Meu cabelo já está molhado, minha roupa é de briga, minha sandália impermeável. Azar. Agora vou curtir essa experiência de caminhar na chuva até chegar em casa, já que não vou encontrar nenhum conhecido por aqui mesmo." E lá fui eu, sem apressar o passo, deixando a água escorrer pelos cabelos sem tentar me proteger da chuva, arrastando os pés em ritmo cadenciado: choc... choc... choc...

De repente, no meio daquela cortina de água, distingo um vulto igualmente encharcado, caminhando em minha direção. Quando chegamos perto um do outro, percebo que se trata de um homeless, um morador de rua, maltrapilho - este triste personagem com que nos deparamos com frequência nas ruas da cidade mais rica do planeta. Instintivamente desvio os olhos e tento me afastar um pouco do seu caminho. Mas aquele homem sem eira nem beira me olha bem dentro dos olhos, abre um enorme sorriso e me diz em alto e bom som, como se finalmente tivesse identificado uma pessoa que o entendesse naquela cidade:

"It feels good, doesn't it?"

Tive que rir junto com ele. Sim, a sensação de caminhar pelas ruas de Nova York naquela chuva torrencial de verão era realmente deliciosa! Nossos olhares se encontraram por alguns segundos e demos uma boa gargalhada juntos.

Dali seguimos nossos caminhos em direções opostas, rindo felizes, pelo puro prazer de viver, entre raios e trovões.

3 comentários:

anamar disse...

Ora viva, Monipin!

Obrigada pela sua visita , que já náo é a primeira, e por me ter deixado o seu endereço...
Passei pela sua "casa", li, gostei, e, já a coloquei na lapela do meu simples blogue...
Deu para ver que é uma carioca de gema, e, quem sabe, um destes dias, ainda não tropeçamos na Lagoa Rodrigo de Freitas... pois vou regularmente ao Rio e o meu poiso não é longe....
"Invejo-a", pois nunca fui a NY... mas sonho e hei-de ir. Gostei de a ler...
Também em adolescente fui guia túristica e como professora já jubilada, dá para sentir quem tem o prazer da comunicação e utilize "um palco", neste caso o nosso querido Museu de Arte Antiga, imperdivel...
Quando me referia à qualidade de todos os guias , era específicamente aos desta exposiçao das tapeçarias...

Tudo de bom e saudações amigas daqui do outro lado do atlântico...
Ana

Monipin disse...

Anamar, que alegria!
Muito bom receber tua visita no meu blog. Da próxima vez que vier ao Rio, por favor me avise - vamos nos encontrar do lado de cá do mar, com certeza teremos muito o que conversar.
Saudações ultramarinas!
Monica

Lê Nira disse...

Mônica, sempre atenta para tornar cada momento 'a joy for ever'. Adorei o seu encontro com o 'homeless', sensibilidades afins, quem diria!!Bjs Lenira