quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A Flip me pegou


A Festa Literária Internacional de Paraty já me pegou de jeito. Bastou eu ir dois anos seguidos à Flip - o maior evento literário da América Latina - na charmosa cidadezinha colonial perto do Rio de Janeiro, para reconhecer que sou uma viciada incurável nesse negócio. E sem chance de reabilitação! Nem bem terminaram os últimos debates do quinto dia da festa, no domingo à tarde, e eu já estava sonhando com a volta no ano que vem.

Fecho os olhos e relembro com saudade as caminhadas pelas ruas de pedras desiguais, a música ao vivo saindo pelas janelas dos bares e se misturando a poemas declamados pelas esquinas, risadas de crianças, sotaques estrangeiros, rodas de samba e maracatu. Vejo carrinhos vendendo cocada e pé-de-moleque. Lojas de cachaça de todos os tipos, com garrafas bem arrumadas em prateleiras que cobrem todas as paredes até o teto. Galerias de arte sofisticadas, com uma carteira de exportação de fazer inveja a muita gente graúda no mercado de arte internacional. Peças de artesanato alegres e despretenciosas, dando vida a pedaços de madeira, cerâmica, tecido. Abacaxis de ferro batido enfeitando as sacadas das janelas. Barcos multicoloridos flutuando no cais. Cheiro de peixe recém pescado. Cheiro de moqueca e pimenta malagueta.


E os livros? Ah... os livros! Eles estão por todos os lados - lançados, vendidos, comprados, cobiçados, disputados, esgotados, autografados, folheados, presenteados, prometidos, transformados em filme. Aviso aos navegantes de primeira viagem: a Livraria da Vila instalada na tenda da Flip é uma tentação que deve ser evitada a todo custo pelos espíritos impulsivos, dos que não conseguem se limitar a comprar o que o próprio bolso comporte. Eu bem que tentei, mas acabei saindo de lá com uma sacola carregadinha de livros, irresistíveis, sem os quais não conseguiria mais viver. (Quem foi que falou aí em crise do mercado editorial?)


Mas a coisa que mais me cativa no ambiente da Flip é a consciência de estar no meio de pessoas que gostam de ler e trocar idéias umas com as outras. São pessoas dispostas a desacelerar o ritmo da loucura cotidiana para ouvir o que outras tem a dizer. Isso parece valer também para os palestrantes convidados da Festa. A gente tem a impressão de que eles não estão ali só para exibir vaidosamente seus predicados intelectuais, mas para aprender uns com os outros também. A maior parte deles não discursa: simplesmente conversa com a gente.

No meio de tantas estrelas do meio literário e acadêmico - como Isabel Allende, Salman Rushdie, Ferreira Gullar, Moacyr Scliar, Azar Nafisi - fica difícil falar de um ou de outro sem cometer omissões incômodas. Mas não vou esconder aqui minha preferência deslavada por um palestrante relativamente pouco conhecido do grande público - o bibliotecário, professor e escritor Edson Nery da Fonseca, que participou da mesa que abriu os debates sobre a obra de Gilberto Freyre, o homenageado do ano.
Aos 88 anos de idade, ele se locomove com dificuldade e precisa se amparar em outras pessoas para subir ao palco. Mas, quando começa a falar, o brilho nos olhos desse pernambucano arretado empolga qualquer platéia, refletindo o intelecto vigoroso e entusiasmado que muitos jovens gostariam de ter. No ano passado, ele já me havia emocionado com a interpretação inspirada de uns quantos poemas do Manoel Bandeira, de quem foi contemporâneo e amigo, e cuja obra literária ele conhece como poucos. Este ano, Nery repetiu o show, recitando de cor um poema delicioso de Gilberto Freyre (de quem, aliás, ele também foi amigo),  chamado "Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados". Foram seis minutos de puro deleite. Quando ele finalmente se calou, a platéia toda o aplaudiu de pé.

A Flip frequentemente nos surpreende com momentos mágicos como esse, nem sempre registrados pela grande imprensa. Food for thought, diriam os ingleses. No banquete literário de Paraty, os pratos do cardápio são internacionais, mas o tempero - não tenho dúvida - é bem brasileiro. Ainda bem.

3 comentários:

EyeWall disse...

Fiquei com uma vontade danada de ir no proximo ano ...
Voce e' uma marketeira das boas!

Beijos,
Marina

Anônimo disse...

Monica querida,

Tambem eu fiquei com uma vontade ' arretada' de ir no proximo ano. Professor Nery eh um orgulho para nos pernambucanos. Mas, vivendo tao longe... foi com muita alegria que soube, atraves de sua cronica, que ele esta aqui, vivinho e brilhando entre nos. A sua lucidez contradiz as ultimas conclusoes em pesquisas sobre a falta de correlacao entre atividade intelectual e a prevencao da perda da memoria. Adorei ler sua cronica, Monica, e estou enviando o link para seu blog para amigas pernambucanas que estao de malas prontas para irem a Parati e Flip. Vou ficar feliz de continuar lendo seus escritos. beijos, Virginia

Ana Beatriz disse...

Se eu já tinha vontade de conhecer a Flip, depois de ler seu texto ficou quase impossível não estar lá em 2011.
Bom poder encontrar você aqui na rede!
Beijos.