sábado, 1 de setembro de 2012

Per favore, signor! Traga depressa um cafezinho para esta mulher madura!

Já perdi a noção do tempo, mas com certeza faz muitos anos que meu marido e eu nos emocionamos com a leitura do belo texto A Mulher Madura, do escritor Affonso Romano de Sant'Anna, na voz do grande Paulo Autran. Com cativante delicadeza, mas em tom provocadoramente sedutor, o texto celebra a beleza da mulher madura com a segurança elegante do homem que sabe flertar.

Pois bem, este texto me ganhou. Depois de ouvir a gravação, resolvi comprar o livro para deliciar-me com cada palavra de louvor à madurez feminina:

A mulher madura é assim - descreve o texto, sedutoramente -, tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira... Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs... 

Ah, que maravilha! O texto é pura música para meus ouvidos maduros. Conta mais!

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe... 

Adoro! O que mais?

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história...

Sim, sim!

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Meus olhos buscam ansiosos o parágrafo seguinte, deixando transparecer a mais inquieta imaturidade. E o texto continua, tranquilo e fluido, como se estivesse ditando o óbvio:

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena...

O quê? Neste momento, abandono a leitura, indignada. Como assim, "merece"? Eu sou uma mulher madura e, no entanto, nunca estive em Siena!

Largo o livro ali mesmo e vou cobrar do meu marido a mais urgente viagem à Itália para eu tomar aquele cafezinho na praça de Siena. Afinal, eu me-re-ço! O assunto virou uma espécie de piada entre nós. Por mais  que tentássemos incluir a bela cidade toscana no roteiro de uma de nossas viagens, nunca conseguíamos sequer chegar perto daquela região. Siena, definitivamente, parecia estar fora do nosso alcance.

A história era tão antiga, que eu já estava mesmo conformada com a ideia de jamais conseguir saborear aquele cafezinho tão sonhado. Nem por isso ficava chateada, pois acredito que alguns sonhos na vida são bonitos assim do jeito que são - simples sonhos, nada mais. Não precisam se tornar realidade para a gente gostar mais deles.

Um belo dia, o destino nos colocou cara a cara com o casal Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti, num evento literário no Rio de Janeiro. Trocamos algumas palavras com os dois e o tal do cafezinho da praça de Siena, inevitavelmente, veio à baila.  Depois de ouvir nossa historinha, o autor de A Mulher Madura dirigiu-se ao meu marido com um sorriso provocador:

- E o que é que você ainda está esperando para levar essa moça para conhecer Siena, rapaz? 

O desafio surtiu efeito: dali a poucos meses, embarcávamos para a Itália com o tal do cafezinho em Siena no topo da lista das nossas prioridades turísticas.

Mal pude acreditar quando, há poucas semanas, atravessamos o portal de entrada daquela jóia de cidade medieval, classificada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade: eu finalmente adentrava a cidade do cafezinho mais cobiçado do mundo! Sem olhar para os lados, rumamos como um raio para a monumental Piazza del Campo em forma de meia lua, onde se realiza a tradicional corrida de Palio, emoldurada pelo célebre Palazzo Pubblico, a torre do campanile e a Fonte Gaia, com suas magníficas esculturas de mármore.


Que me perdoem os historiadores, os estudiosos e apreciadores da arte: agora vou tomar meu cafezinho com calma! Siena terá que me esperar um pouco mais.

O garçon nos olhou com aquele ar blasé de quem vê turistas deslumbrados todos os dias. Com indiferença e pressa, trouxe-nos as duas lindas xícaras de cappuccino, que sorvemos encantados, o mais lentamente que podíamos. Nosso garçon jamais saberá que aquele cappuccino que ele nos serviu era, na verdade, o mais puro néctar dos deuses do Olimpo.


Terminado nosso momento mágico-mitológico, pudemos enfim conhecer e visitar as riquezas de Siena, como qualquer mortal.

O melhor dessa história veio depois, passados alguns dias da nossa volta ao Brasil. Revendo as fotos da viagem, um dia fiquei com vontade de reler o texto da Mulher Madura. No meio do texto, a inexistência de uma simples palavra me deixou nada menos do que estupefata:

Epa, cadê o cafezinho?

Incrédula, tive que ler e reler o texto várias vezes para me certificar de que, em nenhum momento, o autor menciona aquele cafezinho da praça de Siena! Como pode uma coisa dessas? Ali não consta o menor vestígio de cafezinho, nem de cappuccino, nem de chocolate, nem mesmo de um simples chá.  Aquele trecho do texto, que tanto alimentou nossos sonhos esses anos todos, na verdade diz:

A mulher madura está pronta para algo definitivo.
Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde, acompanhando com o complacente olhar o voo das andorinhas e as crianças a brincar.
A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia.

Huuummm... Sabe que esta releitura acaba de me dar uma boa ideia?



6 comentários:

monica disse...

Monica, como sempre me divirto e VIAJO literalmente lendo teu blog.
O Maximo...sensacional, e figuei curiosa para ouvir o Paulo Autran...
Quanto ao cafezinho???Coisas de mulher madura, só pode ser...
beijos grande pra vcs.

Anônimo disse...

Ai, Monica, você é demais!!! Que delícia de texto e que final inusitado - adjetivo, aliás, impregnado em você!
Adoro suas histórias, suas vivências e seus sonhos! São um pouquinho dos meus... grande beijo,
Sayuri

Ana Cristina Nadruz disse...

Gente! Que ótimo, isso! Agora você criou um mito: mulheres maduras TEMQUE tomar um cafezinho em Siena. E depois ir à Grécia, claro!!! Vou já renovar meu passaporte!!!

Irene Zuardi disse...

Monica,
Que delícia! Adorei! Agora,além de ler o texto do Affonso, ouvi-lo na voz do Paulo Autran é imperativo que eu tome este cafezinho em Siena. Também mereço.
Beijos,
Irene

Ana Beatriz disse...

Dei boas risadas com o tal cafezinho. O resultado prático da leitura é que vou precisar voltar a Siena pra cumprir esse ritual. Ou será que salada serve?

Tarlei disse...

Lindo! Lendo, me senti a bordo de um tapete mágico... Com o sopro mágico das suas palavras fui até Siena. Grazie!
Abs,
Tarlei