domingo, 15 de julho de 2012

Meia volta, volver

Mal lhe deu tempo para desfazer as malas. Com a mesma rapidez com que resolveu retornar ao Brasil depois de dezoito anos vivendo fora do país, minha filha chegou, olhou ao seu redor, refez as malas e deu meia volta volver.

Assim mesmo: pá-puf!

Em menos de dez dias, já tinha acertado tudo: resolveu aceitar uma (boa) oferta de emprego em Toronto, mandou suspender a mudança que havia contratado para trazer suas coisas ao Brasil  e marcou para dali a duas semanas sua passagem de avião de volta ao Canadá.

Atônitos e impotentes, assistimos a este  turbilhão de decisões inesperadas da nossa filha sem poder fazer muita coisa além de ouvi-la, tentar entender suas razões e oferecer nosso carinho incondicional.

Como é que foi mesmo aquele dia da sua chegada ao Brasil, tão ansiosamente esperado por nós? 
O Rio de Janeiro a recebeu de braços abertos, derramando o sol de inverno maravilhosamente acolhedor sobre praias e montanhas. 




No agitado clima da Rio+20, líderes e representantes de mais de 170 países debatiam a questão da sustentabilidade do planeta, índios da Amazônia andavam de metrô com seus cocares de penas coloridas e


corpos seminus, crianças brincavam felizes nas ruas com a suspensão das aulas nas escolas, o trânsito  fluía surpreendentemente tranquilo por toda a cidade, o navio do Greenpeace fazia protestos barulhentos na baía da Guanabara, shows de música animavam as noites da Lapa, aulas de dança afro aqueciam músculos e apaziguavam corações, exposições de arte encantavam nossos sentidos e, como se tudo isso não bastasse, a festa junina em Santa Teresa ainda teve Moraes Moreira comandando o forró. 




O Rio era uma festa. E nós participávamos de tudo, comendo canjica e bebendo quentão com avidez adolescente, celebrando cada minuto de convivência com nossa filha que a vida nos permitia.

Nada fazia sentido. Tudo fazia sentido.

Faz duas semanas que nos despedimos na porta de embarque do aeroporto do Galeão, entre beijos, abraços e lágrimas confusas. Desde então tenho pensado com frequência nas sábias palavras de Gibran Khalil Gibran: 


Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm atrás de vós, mas não de vós.
E, embora vivam convosco, não vos pertencem.
(...)
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápida e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.








Crédito da foto dos índios no metrô: AP Photo/Felipe Dana

11 comentários:

Ana Cristina Nadruz disse...

Novos tempos , querida. Tem uma coisa nessa geração que é muito 'mercurial'. Velocidade da internet. Não se 'esquenta lugar'. O 'lugar' é 'site', que se 'está' onde se estiver. Penso que , nas emoções/cabeça dela, ela nem veio, nem foi embora.
Difícil para nós acompanhar esse deus Mercúrio, nós Deméter, nós Afrodite. Mas os tempos contemporâneos são dele!

Betty disse...

Minha amiga querida. As palavras de Kalil, sempre me lembro delas. te entendo tão bem. Senti de perto, quando da exposição do Miguel, o quão perto e o quão longe ela estava desse mundo (Brasil). Eu mesma tendo passado por isso há mais de 40 anos. Só não dei a meia volta volver,pois Deus tinha outros planos para mim e tudo mudou. Mas é seu destino, é sua vida e decisão adulta. E apesar da trsiteza, temos que pelo menos, tentar, seguir a vida com ela londe mas feliz. Do que adiantaria tê-la perto e com olhar triste, sorriso triste, tentando mostrar uma felicidade falsa. Ela será feliz sem nenhuma dúvida e vocês continuarão indo visita-la. Fiquem com Deus e muita força. Você sabe que também estoiu por aqui para raetribuir sempre o coloe carinho amoroso atnto teu como do Roberto. bjs

Joseph Haim disse...

Oi Monica, cabe também citar Nietzsche: "Nossos filhos não são nossos. Eles são filhos da vida ansiando pela vida".
Boa sorte para a Bebel!

Monipin disse...

Obrigada pelas palavras sábias e carinhosas, amigos queridos!

Tarlei disse...

Querida Monica,
desconfio que voar é destino de quem se sabe tendo um ninho para onde voltar.
Bj,
Tarlei

Anônimo disse...

Querida Monica:voltei ontem da Austrália onde fui visitar Renata e família . Temos sorte de ter recursos e saúde para visita-los e mais sorte ainda de ter filhos com asas para corajosamente voar em busca de uma vida melhor.Darwin aprovaria esse fenomeno de evolução da espécie. Um beijo carinhoso .

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
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Unknown disse...

Que linda Moniquinha!
Apesar de ser uma história relativamente triste, tente pensar, que nós, os filhos, amamos e queremos muito ficar ao lado de nossos pais, claro, porém, a vida tem uma imensidão de novidades e caminhos à serem seguidos; por este fato, ansiamos o tempo todo o caminho de felicidades alternativas, sempre levando na memória os sorrisos e abraços de nossos queridos pais.

Tenha uma boa noite linda, te vejo lá no remo!
Gigio

Luiz Fontenelle disse...

Cara Mônica

Será que não foram os índios que espantaram a nossa Bebel? Brincadeira de lado, acho que os filhos foram criados para fazer o seu ninho longe daquele que os viu nascer. O mais importante de tudo isso é ela se sentir feliz onde ela escolher ficar. Acho que pode ser o caso.

Lenira disse...

Só depois de lhe enviar uma mensagem, depois de tanto tempo sem noticias, fui ler o texto do seu blog. Sofrido, sensível e corajoso. Não sei muito como lhe oferecer palavras que confortem, embora você mesma já as tenha encontrado no Gibran e em outros. Mas se puder, vá assistir ao 'Valente', Freud falava em 'matar o pai' para crescer, mas nós mulheres precisamos 'matar a mãe'. Hoje menos do que ontem, até porque a internet e o Skipe ajudam a preencher um pouco esse ninho vazio que se forma de um modo ou outro. Bjs