quinta-feira, 20 de maio de 2010

João jangadeiro

Ele se chama João e tem 71 anos de idade. Todos os dias do ano trabalha sob o sol escaldante do litoral pernambucano, transportando em sua jangada turistas que vem de todos os lados para ver os peixes multicoloridos nas piscinas naturais da praia de Porto de Galinhas, ao sul de Recife.

Enquanto eu me deixava transportar na jangada do sr João, deslumbrada com tanta beleza natural à minha volta, de vez em quando o espiava pelo rabo do olho. Quantas vezes terá aquele homem percorrido esse trajeto na maré baixa, levando turistas que, como eu, não param de fotografar o cenário paradisíaco entre a praia e os arrecifes de sua terra natal?

Sr João conduz a jangada com firmeza, sem dizer palavra nem esboçar sorriso. Não parece cansado, mas também não esbanja energia. Apenas faz seu trabalho, calado e hábil, como em todos os dias do ano, no meio de dezenas de outras velas coloridas.

Quando desço da jangada para continuar a pé o percurso até as piscinas naturais, observo que a água morna do mar cobre meus tornozelos, o que significa que a maré já recomeça a subir. Olho com atenção a vela da nossa jangada para me certificar de que, na volta do passeio, vou conseguir identificar qual delas é a nossa. A vela é de cor amarela, alegre como o sol, com um característica que me é especialmente agradável: ao contrário das outras velas que estão ali no mar, a do sr João não traz nada escrito, nenhuma logomarca, nenhuma propaganda. Nada. É só um imenso pano amarelo.

"A sua jangada é a mais bonita de todas", faço questão de dizer ao sr João, na mais completa sinceridade. Pela primeira vez no passeio, vejo um sorriso no rosto do velho jangadeiro, que me explica: "É a Julia". Só então enxergo o nome pintado com capricho em letras vermelhas, na parte lateral da jangada.

"Quem é Julia?", arrisco a pergunta. Foi como acionar o botão de um rádio, até então desligado. O sr João não parou mais de falar, agora com um brilho nos olhos: "É a minha bisneta, que eu e minha mulher estamos criando. É o meu xodó, a alegria da minha vida. Quando volto para casa depois do trabalho, até esqueço meu cansaço quando a Julia vem me abraçar."

Fico sabendo que Julia tem 14 anos, mas "não é igual à gente, assim que nem nós". Custo um pouco para entender o que o sr João quer dizer com essa frase, mas ele logo começa a descrever a bisneta, sem conseguir disfarçar o grande orgulho que sente por ela: "A Julia nasceu com um problema no ouvido e muita gente dizia que ela não iria aprender a fazer nada na vida. Ninguém queria cuidar dela, então minha mulher e eu pegamos a menina para criar e fizemos tudo por ela.  Nós a levamos ao médico e conseguimos um aparelhinho para ela usar na orelha. Aí então ela aprendeu a falar uma porção de coisas e hoje até me chama direitinho de pai! E é só eu que ela chama assim, mais ninguém..."

Nesse momento percebo que a voz de sr João fica um pouco emocionada, mas em seguida ele continua a falar com entusiasmo da bisneta: "Agora a Julia - a senhora precisava ver! - já é até capaz de escrever o nome dela sozinha!"  Sr João conta que o "aparelhinho" do ouvido ficou pequeno para a adolescente, mas que ele já providenciou outro maior, através dos serviços de atendimento médico do governo. "O novo aparelhinho já deve estar chegando, aí vai ficar tudo beleza".


No paraíso tropical de Porto de Galinhas, descobri que há outras belezas além dos peixes, algumas invisíveis à grande parte dos turistas e bem mais difíceis da gente fotografar.

Um comentário:

Isabel Pinheiro disse...

Que lindo, mae! O sr Joao tambem marcou muito a viagem para mim. So faltou comentar do remedio dele que curou suas dores e fez com que ele pudesse voltar para a sua jangada depois de 3 dias de repouso :)