sexta-feira, 17 de maio de 2019

Um anjo chamado Maurício



Tem gente que não acredita em anjos. Pois eu, sim. Há poucos dias um deles passou voando pela minha vida. Ele se chama Maurício e me fez ver que, apesar de todas as evidências em contrário, ainda existe muita gente de bom caráter nesse país.

Eu tinha acabado de chegar em casa depois de um dia longo. Antes de jantar, resolvi arrumar um pouco as minhas coisas. De repente senti o chão fugir dos meus pés: a carteira de dinheiro que estava dentro da bolsa, com todos os meus documentos, havia sumido!

Não adiantou revirar a bolsa pelo avesso, muito menos rezar para São Longuinho, prometendo dar três pulinhos. A carteira tinha sumido mesmo. Eu tinha certeza de ter estado com ela na mão poucos minutos antes, para retirar o dinheiro e pagar a corrida do táxi que me levou até perto de casa. Devo ter deixado a carteira cair no chão do carro, pensei.

Mas como entrar em contato com o motorista daquele táxi, entre os mais de 300 mil taxistas da cidade que estão circulando por aí?

Alarmada, fiz rapidamente uma lista mental de todos os documentos que trazia na bolsa: carteira de identidade, de motorista, de plano de saúde, do clube, do metrô, cartões de banco... Ai, não! Quantos dias de trabalho teria que gastar e quantas filas teria que encarar, só para refazer aquilo tudo?

Mentalmente esgotada, fiquei paralisada por mais de uma hora, sem saber a quem recorrer. De repente, do outro lado da casa, toca o celular do meu marido e ouço a voz dele ao telefone, todo animado, conversando com um amigo:

- Oi, tudo bem com você? O quê? Encontraram a bolsa da Monica? Com quem? 

O amigo não sabia explicar por quê, mas um tal de Maurício lhe havia telefonado para dizer que estava com todos os meus documentos em mãos.

Na mesma hora liguei para o número do celular que ele havia passado, sem entender direito o que estava acontecendo. A voz do Maurício me soou como a de um habitante de outras esferas planetárias:

-    Encontrei sua carteira no chão do posto de gasolina quando fui abastecer meu carro e fiquei um tempão ali, tentando um meio de localizar a senhora para poder lhe entregar tudo direitinho. Liguei para o seu consultório de dentista, clube, academia de ginástica, mas não consegui falar com ninguém - até encontrar um papelzinho com o telefone daquele amigo do seu marido. Como já estava ficando tarde, resolvi deixar um recado e ir para casa. Todos os seus documentos e todo o seu dinheiro estão bem guardados aqui comigo.

Como eu não conseguia articular nenhuma palavra com sentido, desconfio que Maurício sentiu pena da minha aflição, pois ele continuou: 

-    Olha, estou dirigindo a caminho de casa, já quase entrando no túnel Rebouças, mas posso fazer um retorno para encontrá-la naquele mesmo posto de gasolina daqui a pouquinho.

-    Sim, sim!!! - consegui dizer, já um pouco refeita da surpresa. - Estou indo para lá agora! Mas como é que eu vou saber quem você é?

-    Vou estar dentro do meu carro, um Corsa preto, estacionado bem na saída do posto.

Sem pensar nos riscos de um encontro à noite com um completo estranho num posto de gasolina, saí voando.  Quando avistei o carro preto no local combinado, confesso que de repente senti uma certa insegurança. Afinal, quem seria este Maurício? O que ele me pediria em troca de um favor tão grande?

Mas, no momento em que o vi saindo do carro, com aquele seu sorriso franco e tranquilo, meus medos desapareceram. Abracei-o como se fôssemos amigos desde sempre.

-    Pode conferir. Está tudo aí dentro - documentos, dinheiro, todas as moedinhas. A senhora me desculpe, mas tive que abrir a carteira para tentar descobrir alguma forma de identificar o dono e conseguir devolvê-la. Quando vi a foto daquela menininha linda no meio dos seus documentos…   aquilo mexeu comigo. Não ia sossegar enquanto não localizasse a senhora, pois senti que a mesma coisa poderia acontecer comigo ou com a minha esposa!

O sorriso de minha neta Aninha, naquela foto 3x4 que sempre trago comigo, nunca me pareceu tão mágico!

-    Maurício, você tem filhos? - perguntei, juntando todas as notas que havia na minha carteira.

-    Tenho duas filhas - e logo começou a falar delas todo orgulhoso, ressaltando o bom desempenho escolar das suas meninas.

-    Então compre um presente para elas com este dinheiro…

Nem consegui terminar a frase, pois Maurício me interrompeu bruscamente:

-    De jeito nenhum! Não fiz mais do que minha obrigação.

E acrescentou, com a tranquilidade segura dos justos:

-    Deus já me deu tudo de importante que eu tenho na vida: duas filhas maravilhosas, uma esposa incrível, um emprego de que eu gosto muito. Não preciso de mais nada.

E com isso se despediu gentilmente de mim, desejando ainda que Deus me acompanhasse de volta para casa.

Poucos dias depois, voltei a me encontrar com o Maurício na portaria da TV Globo, onde trabalha como cameraman. Desta vez ele aceitou meu presente singelo: uma torta de chocolate para ele levar para casa e curtir com a família. Que a vida lhes seja doce!

Anjos existem por toda a parte, mas nem sempre a gente os vê. 

Maurício e eu, na porta da TV Globo









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