Compartilho aqui algumas observações culturais e gastronômicas que fiz durante esta curta temporada, que provam, mais uma vez, que a Espanha é um universo infindável de descobertas deliciosas para o estrangeiro.
1) Ao contrário do que eu supunha - depois
de ter lido reportagens sobre a crise financeira que atravessa a Espanha desde
2008, com taxa de desemprego superior a 25% e um grande número de jovens que têm
deixado o país em busca de melhores condições de trabalho -, o que vi nas ruas das
cidades que visitei não reflete absolutamente o clima de um país em crise. Os espanhóis parecem
se divertir bastante, frequentam bares e
restaurantes alegremente até altas horas da madrugada, não se preocupam com a
segurança nas ruas e utilizam meios de transporte público perfeitamente confiáveis a
qualquer hora do dia ou da noite. Não vi crianças vendendo balas ou pedindo
esmolas. Avistei alguns grafites na
periferia das cidades, mas não vi nenhum edifício do centro pichado.
2) Os espanhóis são muito diretos,
falam o que lhes dá na telha, sem subterfúgios, em alto e bom som. Adoro isso! Imagino que, para muitos
estrangeiros, esse jeito franco pode vir a ser confundido com grosseria - mas é
apenas uma característica da cultura espanhola. No fundo, são bem afáveis. Eles
têm uma mania semelhante à dos brasileiros de tocar fisicamente a pessoa com
quem estão falando (um tapinha nas costas, um pequeno toque no braço) para
demonstrar certa atenção especial. Há pessoas que detestam esse tipo de invasão
do espaço privado, mas o espanhol nem liga e vai tateando quem ele bem
entender. Sinceramente, acho que eu me daria muito bem se vivesse entre eles.
3) A vida noturna em Madrid é uma das
mais animadas (e econômicas) de toda a Europa. A “noite”, aliás, começa bem
depois do sol se por. Notei que eles dizem
“sete horas da tarde”, em vez de “sete horas da noite”. Pessoas de todas as
idades (inclusive crianças) circulam ruidosamente pelas ruas da cidade,
conversando, rindo e cantando, até se cansarem. É invejável o jeito guloso dos espanhóis de curtirem a noite. Quando saem de casa para qualquer programa, eles sempre passam antes em algum bar para tomar pelo menos uma taça de vinho ou cerveja e mordiscar tapas. "Nós não sobreviveríamos sem nossos bares", me disse um espanhol. Numa noitada típica, percorrer diversos bares de tapas, um após o outro, é o próprio programa. Parece algo “normal”, mas não é. Desafio
qualquer turista brasileiro a fazer isso sem a ajuda de um amigo espanhol!
Muito provavelmente o viajante voltará ao quarto de hotel exausto e faminto. É que há uma “técnica” toda especial que só eles entendem de se pedir alguma coisa nos
balcões, em geral apinhados de gente
comendo, bebendo e gritando.
É preciso, antes de mais nada, que o turista tenha
conhecimento de um fato perturbador: o espanhol não faz fila. Sério. Os
atendentes dos balcões só prestam atenção aos clientes que lhes dirigem a
palavra gritando. Além da gente ter que brigar para ser ouvido, tem que se
esforçar para pronunciar corretamente o nome daqueles tapas que estão no
cardápio, mas que a gente nunca viu antes.
Para complicar, alguns desses nomes não estão sequer escritos em
castelhano, mas em algum dos outros muitos idiomas ou dialetos falados no país.
Palavras como “pintxos” (espetos bascos) e “espencat” (tapa valenciano)
aparecem em perfeita harmonia ao lado de “patatas bravas”. Levei algum tempo
para perceber que “chato” não era o que eu pensava, mas uma pequena dose de vinho
e que “vaso de chato” é um diminuto copo para degustação.
Bar de tapas El Lacón, em Madrid |
4) Confesso que alguns tapas não me
apeteceram quando li seus nomes no cardápio – como “oreja de cerdo” (orelha de
porco) e “matambre de ternera” (mata-fome de vitela), mas os entendidos
garantem que são muito saborosos. Em contrapartida, me deliciei à vontade com as
tradicionais “gambas al ajillo” (camarões no alho), “croquetas de jamón” (croquetes de presunto), “queso
manchego” e inesquecíveis porções de “jamón ibérico” (presunto curado, orgulho
da região). Aprendi que “tostas” correspondem às nossas conhecidas “bruschettas”
e são sempre uma boa pedida para acompanhar o vinho ou a cerveja.
Tostas no Mercado San Miguel, Madrid |
5) Para a gente se aquecer num dia frio,
há poucas bebidas mais deliciosas do que o “carajillo” – café fortificado com algum
tipo de bebida alcoólica. Tomei uma vez com Bailey’s e logo fiquei viciada. Em que outro lugar do
mundo você pode pedir em voz alta no balcão “un carajillo, por favor!”, com a
maior dignidade ?
6) Outra bebida muito apreciada pelos
espanhóis é a “horchata”, um tipo de refresco feito com o leite extraído de uma
planta chamada “chufa”. No Brasil ela é conhecida como “junquinho” (ou “junça”)
e considerada planta daninha, mas na
Espanha é cuidadosamente cultivada. Não morro de amores por esta bebida leitosa e
adocicada, mas, quando a gente viaja, parece que tudo fica mais atraente. Tomei
“horchata” duas vezes na rua e achei ótimo!
Horchatería em Valencia |
Churros com chocolate: uma viagem à infância |
Enquanto comia meus primeiros churros
da viagem, achando que já dominava toda a cena madrilenha, dei com os olhos num
cartaz que me confundiu um pouco, onde se anunciavam “porras con chocolate”. Uma
rápida consulta ao garçon me tranquilizou. Na Espanha, “porra” é um tipo de
churro, feito com a mesma massa, porém sem as ranhuras na
superfície.
Chocolatería San Gines, uma instituição madrilenha |
8) Uma dica valiosa para qualquer
turista desavisado na Espanha: “bocadillo” não significa “bocadinho”, mas
sanduíche feito com aqueles pães deliciosos, tipo baguete italiana, de farinha
boa. Logo no início da viagem, caí na besteira de pedir um “sándwich de jamón”,
caprichando na pronúncia, apenas para receber da balconista o sanduíche de
presunto mais sem graça deste mundo, feito com pão de forma. Depois dessa experiência
frustrante, aprendi: para comer um bom sanduíche,
é preciso pedir “bocadillo de jamón ibérico”. E nem precisa caprichar na
pronúncia, que todo o mundo entende.
14 comentários:
Me sentindo pronta para uma aventura espanhola. 😍
Sempre uma delícia as cronicas de Monipin! e quando têm como tema uma viagem a gente embarca nas peripécias, muito bom!
Que divertido Mônica! Realmente o que temos para conhecer e explorar é infinito..Aproveitem amigos queridos!
Eu já estava com saudades de Madrid, mas agora as saudades triplicaram... E a fome também!
Tudo culpa sua, Dona Monica, que sabe contar histórias com texto leve e muito bom humor e acaba capturando o leitor.;)
Você vai adorar esta aventura. A Espanha parece estar num bom momento para o turismo! Abs!
Viajar através do seu olhar e' uma experiência transportadora ; a sua capacidade de descrever as coisas em geral e'de tamanha riqueza que nos faz sentir como se estivéssemos lá com você nos deliciando com as situações e provando os quitutes! Tudo uma delícia! Obrigada por compartilhar! Besos! Olé!
;-)
Muito bacana o texto Mônica. Vou aproveitar as dicas. Já estão saborosas. Abraço, Pedro
Querida Monica, adorei seu artigo sobre a Espanha. Gostaria de recomendar um futuro artigo sobre a Australia? :)
Um grande beijo.
Renata
Nossa, querida Monica!!! Me senti enriquecida com as dicas: se viajar para a Espanha, sei que teremos de empregar seus conhecimentos.
Muito Obrigada de compartilhar, e parabéns pela forma agradável de escrever!!
Abraço com admiração,
Teruko
amei seus comentários, prima! sempre originais e engraçados!!
beijos
Adorei o texto e suas dicas espanholas. Compartilhar experiências é sempre uma grande experiência, para todos. Vivendo e aprendendo! Abraço! Valério
Amiga,me senti viajando com vcs :) Adorei as dicas! Bjs pros dois
Que delícia! Viajei junto com vocês. Grata pelas dicas. Enorme beijo carinhoso para vocês
DELICIA!!! ORCHATA DE CHUFA SIUS PLAU!!! Em Barça é assim que se pide!!! Muito bom. Voltei à Madri nstes minutos aqui em frente ao PC!
besos y gracias!!!(com a língua no meio dos dentes e tudo... rsrsrs)
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