É difícil
fotografar a beleza de um lugar que a gente visita. Quase sempre as imagens
mais belas – aquelas que permanecem na nossa lembrança muitos anos depois - ficam
escondidas atrás de sua gente, dos pequenos gestos, da conversinha miúda.
Jericoacoara
é desses lugares que deixam a gente meio desorientada numa primeira viagem, sem
saber em que concentrar nosso olhar de turista, sempre ávido por
novidades: se na beleza das praias ou na
das pessoas em quem esbarramos a cada momento.
Ricardo é um desses habitantes de Jeri que fazem a
gente refletir sobre as nossas próprias escolhas de vida. Nascido e criado na
cidade de São Paulo, um belo dia se cansou da selva de pedra e resolveu se mudar
de mala e cuia para recomeçar a vida no litoral nordestino. As velhas receitas da avó libanesa inspiram
hoje o
cardápio do seu simpático restaurante árabe Káfila, bem no centro de Jeri, onde a comida é simples, mas satisfaz. Gostoso, mesmo, é conversar com ele sobre a vida que leva ao lado da esposa Susana e do filho do casal, Gabriel, de cinco anos. Sem pressa e sem pontos de exclamação, ele fala com a serenidade de quem não tem dúvidas sobre a decisão de se mudar para lá. “Meu filho brinca na rua, todo o mundo conhece ele por aqui, vai a uma escolinha maravilhosa perto da nossa casa e ainda pode ir a praia todos os dias... Em São Paulo eu jamais teria condições financeiras de proporcionar uma vida tão rica quanto essa para ele.”
cardápio do seu simpático restaurante árabe Káfila, bem no centro de Jeri, onde a comida é simples, mas satisfaz. Gostoso, mesmo, é conversar com ele sobre a vida que leva ao lado da esposa Susana e do filho do casal, Gabriel, de cinco anos. Sem pressa e sem pontos de exclamação, ele fala com a serenidade de quem não tem dúvidas sobre a decisão de se mudar para lá. “Meu filho brinca na rua, todo o mundo conhece ele por aqui, vai a uma escolinha maravilhosa perto da nossa casa e ainda pode ir a praia todos os dias... Em São Paulo eu jamais teria condições financeiras de proporcionar uma vida tão rica quanto essa para ele.”
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Todos os
dias antes do sol nascer, as
ajudantes de cozinha Val e Maria saem da pequena cidade litorânea
de Preá para chegar à pousada de Jeri onde trabalham. O trajeto de van leva
cerca de uma hora. Quando o primeiro hóspede da pousada aparece no restaurante
para tomar o café da manhã, elas já assaram três tipos diferentes de bolo, prepararam diversos sucos de frutas, arrumaram as mesinhas e guarneceram o
buffet de quitutes nordestinos. Quando
algum hóspede chega, elas se apressam a lhe trazer o cardápio com as
opções do dia, sorridentes e discretas, sempre falando o mínimo necessário.
Poucos hóspedes lhes prestam atenção. Eu também me distraio e, para falar a verdade, quase não reparo nelas – são tantas as atrações que nos esperam na mesa e na praia!
Num dia de
sol, resolvo sair para almoçar num dos vários restaurantes de Jeri, bem distante
da minha pousada. Quando termino de comer, de uma hora para a outra o céu fica negro e uma tempestade assustadora me pega completamente desprevenida.
São raios e trovões para todos os lados. O aguaceiro torrencial me força a buscar refúgio sob um pedaço ridiculamente pequeno de telhado, meus pés já afundados na água barrenta que corre pela rua de terra. Fico imóvel, prisioneira daquele arremedo de telhado. É inútil tentar sair dali.
São raios e trovões para todos os lados. O aguaceiro torrencial me força a buscar refúgio sob um pedaço ridiculamente pequeno de telhado, meus pés já afundados na água barrenta que corre pela rua de terra. Fico imóvel, prisioneira daquele arremedo de telhado. É inútil tentar sair dali.
De repente,
do outro lado da rua, vejo dois pares de olhos que me observam atentamente. São
Val e Maria, que já estão comodamente abrigadas da chuva, dentro da van que dali a poucos minutos irá levá-las de volta a
Preá. As duas cochicham algumas palavras entre si e em seguida uma delas – Maria – de repente salta da van e corre em minha direção para me entregar seu proprio guarda-chuva, com um enorme sorriso no rosto. Reparo que ela ficou com a roupa e o cabelo encharcados. Constrangida, tento lhe dizer que não posso aceitar aquela generosidade que me parece excessiva, mas ela insiste: “Não se preocupe, pode deixar o guarda-chuva na pousada que eu o pego
lá amanhã!” E volta correndo para a van debaixo do temporal, para iniciar sua viagem de volta para casa - só que hoje ela irá com a roupa molhada.
Enquanto caminho de volta à pousada, sob a proteção daquele guarda-chuva providencial, sinto um misto de gratidão e, principalmente, admiração. O poema famoso de Mayakovsky me vem à cabeça:
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar...
No dia seguinte, quando fui tomar meu café da manhã, Maria e Val já estavam lá à minha espera, sorridentes como sempre. Depois do clic da foto, um trecho da música Gente do Caetano me faz cantarolar mentalmente e me acompanha pelo resto do dia:
Gente espelho da vida, doce mistério...Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é para brilhar...
No dia seguinte, quando fui tomar meu café da manhã, Maria e Val já estavam lá à minha espera, sorridentes como sempre. Depois do clic da foto, um trecho da música Gente do Caetano me faz cantarolar mentalmente e me acompanha pelo resto do dia: