Mas aquela noite, que prometia ser de muitas risadas, para mim acabou perdendo a graça logo nos primeiros minutos, quando o curador da Flip leu uma nota sobre o falecimento do escritor, pesquisador, professor e bibliotecário Edson Nery da Fonseca - uma das pessoas mais brilhantes que já passaram pela Flip e possivelmente a que mais me emocionou através da palavra. Conversador e lúcido até o último minuto de sua vida, o grande pesquisador faleceu no dia 22 de junho em sua casa, em Olinda, aos 92 anos de idade. Enquanto o curador prosseguia com seu discurso de abertura da Flip, já com outros assuntos mais alegres, minha cabeça parou ali naquela notícia triste. Em silêncio, fiz uma pequena oração de despedida a este homem, com quem tive o prazer de estar pessoalmente nas duas Flips em que ele participou como palestrante.
Na primeira vez, em 2009, eu nunca tinha ouvido falar naquele velho bilbiotecário. Na verdade, fui assistir ao debate sobre o poeta Manuel Bandeira do qual ele iria participar atraída pela presença do jornalista Zuenir Ventura, que eu admiro muito. A surpresa foi geral: só deu Edson Nery da Fonseca, do começo ao fim. Não sobrou para mais ninguém. Foi só abrir a boca no palco, que aquele senhor idoso, de aparência frágil, que se locomovia com dificuldade apoiado numa bengala, de repente transformou-se num jovem apaixonado pela vida, cheio de energia. Ele nos comoveu a todos (inclusive ao Zuenir, que parecia tão embevecido quanto nós, da plateia) com histórias curiosas sobre o Bandeira e longos poemas recitados com paixão, sem titubear. Confesso, sem pudor, que naquela apresentação sua poesia me levou às lágrimas. E desconfio que não fui a única pessoa a se emocionar naquele dia.
No ano seguinte, já me sentia a Fã Número Um do Nery da Fonseca: tinha lido alguns de seus livros e conversado com amigos que o conheciam pessoalmente. Com antecedência, comprei ingresso para a mesa da qual ele iria participar, como um dos maiores especialistas na obra de sociólogo Gilberto Freyre (o autor homenageado da Flip de 2010), do qual era amigo pessoal. No final de mais uma brilhante apresentação, estive com ele na mesa de autógrafos, onde lhe disse estar contente de revê-lo naquele ano. "Minha filha, esta é com certeza a última vez que venho a Paraty", disse-me com ar cansado. "A viagem de cinco horas numa van, do aeroporto do Rio até aqui, é demais para a minha idade." Infelizmente, sua previsão estava certa.
Qualquer pessoa abordada nas ruas sabia nos dar notícias dele. Era querido e respeitado por todos. Em 2013, foi um dos homenageados da versão pernambucana da Flip, a Fliporto.
Seu livro de memórias, corajoso e escancarado, surpreendeu muita gente. O título, inspirado nos versos do poeta francês Guillaume Apollinaire, é poesia pura e, pelo menos para mim, delicadamente consolador: Vão-se os dias e eu fico.
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Se você também quiser entender porque me emociono tanto com o Edson Nery da Fonseca, clique aqui neste link do Youtube para vê-lo recitar um poema do Bandeira. São só dois minutos: você vai me agradecer.